Por: Guilherme Bara
Como muitos já devem saber, tenho deficiência visual. Ela é causada por uma retinoze pigmentar (doença degenerativa que causa a má irrigação das células da retina e a perda gradativa da visão).
Estudei no Colégio Dante Alighieri na cidade de São Paulo desde o pré-primário. O Dante é um colégio convencional, longe de ser uma escola especializada no atendimento a pessoas com deficiência visual.
Penso que ter estudado em uma escola convencional foi fundamental para meu processo de inclusão na sociedade. Ao longo dos anos fui perdendo a visão aos poucos e meus amigos acompanharam todo esse processo.
Claro que minha deficiência estava ali, não tinha como ser desconsiderada por ninguém e nem deveria. Isto era o mais prazeroso; eu interagia de forma natural com meus colegas. As pessoas mais do que viviam, conviviam comigo me aceitando.
Isto só acontecia porque aquelas pessoas do colégio (colegas de classe, professores e funcionários) tinham um contato diário comigo.
No começo, como quase todo mundo, eles ficavam, apenas, observando, vendo como eu fazia as coisas; um pouco com receio de se aproximarem, principalmente os professores e funcionários. Já as crianças chegavam com mais facilidade, menos censuras e menos estratégias, o que facilitava para que todos se sentissem mais à vontade.
Percebiam que eu era mais um aluno, que, obviamente, tinha uma característica incomum. Não enxergava, mas que era um menino que brincava, me divertia, gostava de futebol, conversava na aula e tinha as características semelhantes às crianças da minha turma. Rapidamente a relação era desmistificada e eu me sentia à vontade.
Confesso que nesta época de minha vida, principalmente depois da minha visão ter piorado de forma mais acelerada, eu mesmo tinha dificuldades em aceitar minha deficiência.
Tentava escondê-la, e vocês podem imaginar como é viver querendo esconder uma coisa que todo mundo está vendo. Eu tocava pouco no assunto e meus amigos pouco queriam saber. O que eles queriam saber, eles já sabiam melhor que ninguém, pois estavam comigo todos os dias. E pode ser também que eles se sentissem intimidados pela minha postura de pouco falar sobre o assunto. Era uma situação nova para mim também, pois a retinoze faz com que se perca a visão aos poucos e quando você se acostuma com uma referência visual logo ela já muda e tudo muda.
Vivi toda esta fase e depois todo o processo de aceitação de minha deficiência junto aos meus amigos, convivendo, aprendendo, experimentando, rindo muito, me divertindo e às vezes chorando, mas sempre com eles.
Às vezes penso como teria sido minha formação se tivesse freqüentado uma escola própria para pessoas cegas, se não tivesse meus amigos da escola e do prédio, se meus amigos fossem apenas as crianças que não enxergam. Como eu me relacionaria com o resto do mundo hoje.
Sou casado, pai de uma menina linda que no último dia 29 completou nove meses. Com uma vida profissional bem resolvida, e amizades sólidas, me sinto uma pessoa feliz, muito de bem com a vida. Sou convicto de que ter, desde criança, convivido dentro de instituições regulares, contribuiu bastante para hoje eu ser uma pessoa socialmente incluída.